19.10.15

Capítulo Trinta e Seis




Demi acordou com o som de gritos. Depois da conversa estranha com Joe, durante a qual teve ao menos oitenta por cento de certeza de que ele estava bêbado, ela havia fingido estar com dor de cabeça e fora para a cama, dispensando a sobremesa e a noite de jogos em família.
Com um gemido, pegou o celular e olhou a hora. Uma da manhã? Eles ainda estavam acordados?
Sem pensar, apoiou os pés no chão ao lado da cama, pisando em algo macio. A coisa gemeu, e então soltou um palavrão ao mesmo tempo que puxava os pés de
Demi, fazendo-a cair com um baque sobre si.
— Joe? — murmurou.
— Não, é algum outro lunático meio bêbado, meio faminto, que fala com gaivotas. Sim, sou eu, Joe.
Quem mais estaria dormindo no chão do seu quarto?
— É verdade.
— Já pode sair de cima de mim. — Ele grunhiu.
— Por que você estava falando com gaivotas?
— Essa foi a parte relevante do que eu disse, na sua opinião? Não vai nem mencionar essa história de eu estar bêbado e com fome? Vai direto para as gaivotas?
Demi se afastou do corpo quente de Joe e suspirou alto.
— Só simplifiquei as coisas.
— Como assim?
— Que elemento pareceu estranho, no que você disse?
A comida sempre acompanha o álcool. Mas falar com gaivotas? Isso não é muito comum.
— Ou você é um gênio ou está bêbada. Não consigo decidir. — Joe falava em um tom de voz grave. — Por que você resolveu andar sobre mim? Ou melhor, por que está fora da cama?
— Ouvi um barulho.
— Acho que isso se chama respirar, Demi. Algumas pessoas precisam disso para viver.
— Cale a boca, seu babaca. — Ela o empurrou e andou até a porta. — Foi mais que isso. Parecia um arranhão, ou algo assim.
— Então temos um esquilo por aí. — Ele parecia entediado.
— Você odeia esquilos.
— Deixe que venham atrás de mim! Ouviram isso, esquilos? Estou pronto para vocês! — Joe ergueu as mãos e suspirou.
— Quantas cervejas você tomou?
Praguejando, ele se pôs de pé — com alguma dificuldade.
— Óbvio que não o suficiente. Ou ainda estaria desmaiado, em vez de aqui, tendo esta conversa ridícula com você.
Ele ficou sob o luar.
A boca de Demi secou.
Aquele homem era um deus.
Como ela pôde esquecer?
O abdômen definido, com músculos que desciam até a parte coberta pelas calças do pijama. Cada pedaço dele era liso e bronzeado. Bonito demais para ser real. Ela deu um passo na direção de Joe. Era possível que um homem real tivesse sido editado no Photoshop? Ao vivo?
Pessoalmente?
Curiosa, ela tocou o tórax dele. Era tão quente e firme!
Droga, como o corpo dele era firme!
— Demi? — Ele estava rouco. — Tem certeza de que não está sonâmbula?
Afastando a mão com um sobressalto, Demi soltou uma risada nervosa.
— Pensei ter visto, hã, um arranhão. Bem aqui. — Ela apontou para a pele completamente lisa do peito dele.
— Um arranhão? — Joe ergueu as sobrancelhas. — Sério? Bem, se está tão preocupada, posso tirar as calças, e então você dá uma examinada geral. Afinal, não seria nada bom se eu não acordasse, amanhã. Ouvi dizer que arranhões podem infeccionar.
— Babaca. — Demi o empurrou e foi para a porta, abrindo uma fresta.
— Demi! — resmungou Joe. — Estou exausto. Como eu disse, não deve ter sido nada...
Reclamando, Demi o acertou bem na barriga e mandou que ficasse quieto. Então apontou para o corredor.
Lá estava Selena, atravessando o corredor em direção ao quarto de Nick. A porta do quarto dele estava aberta.
Nick mexia a boca, dando instruções silenciosas para a noiva e apontando para o chão. Será que queria que ela rastejasse? Então ele fez um gesto com as mãos e depois envolveu a orelha.
— Hum — sussurrou Demi. — O chão range?
— Sim. — Joe riu. Sua respiração saiu quente no pescoço de Demi.
— Você sabe quais são os pontos que fazem barulho?
— Claro. — Ele passou por Demi, indo para o corredor, e olhou de Nick para Selena com um sorriso presunçoso.
Selena estreitou os olhos e fez um gesto de cortar a garganta com as mãos; depois mostrou o dedo do meio.
Como se fosse um lunático, Nick fazia gestos obscenos para o irmão. Parecia que o estava ameaçando, mas Demi não teve certeza. Era como assistir a um mímico irritado: ele sacudia as mãos para todos os lados, e os gestos eram tão engraçados que ficava impossível tentar entender.
E vovó — bendita fosse! — estava em uma poltrona com encosto reclinável, bem no meio do corredor.
Dormia de boca aberta, roncando como uma britadeira.
O pijama com estampa de oncinha quase brilhava ao luar, e ela usava uma daquelas máscaras de dormir assustadoras, com olhos pintados no tecido, como se quisesse dizer que estava sempre atenta.
Joe deu um passo hesitante na direção de vovó.
Selena sacudiu as mãos freneticamente.
Demi cobriu a boca, tentando segurar o riso.
Selena olhou irritada para ela.
Um rangido alto ecoou no corredor. Joe deu mais um passo. O barulho dessa vez foi ainda mais alto.
Nick começou a bater a cabeça de leve na parede.
Selena parecia ter começado a rezar.
E então, de repente, vovó se mexeu. Sem retirar a máscara, pegou uma arma que estava embaixo de uma almofada e a apontou na direção de Nick.
— Está tentando sair de mansinho, meu filho?
Demi ficou boquiaberta enquanto Joe corria de volta para o quarto e se escondia em segurança.
— Eu, hã... — Nick fechou os olhos. — Vai. Me mata logo. Já estou infeliz o suficiente. Foi mal, Selena. Não consigo. Não aguento mais. Se isso faz de mim um homem fraco, então, que seja!
— Selena! — gritou vovó, levantando a máscara para ver o que estava acontecendo. — Só de pensar que eu estava culpando Nick por esse fiasco! Olha só para você, já está na metade do caminho! Sua diabinha!
Atrás de Demi, Joe deu uma risada.
— Vocês dois! — Vovó balançou a arma. Nick olhou para a arma, receoso, enquanto Selena se encolhia junto à parede. — Agora. — Vovó apontou a arma para Nick.
— Já para o quarto! Vá cada um para a sua cama. Em breve estarão casados, e aí poderão fazer todo o sexo que quiserem.
— Vovó acabou de falar “sexo” — disse Joe, nas costas de Demi. — Acho que esta é a melhor noite da minha vida.
— E você! — Vovó apontou a arma para Selena. — Pare de tentar o garoto! Ele é homem! Não consegue controlar os impulsos!
— Não, acho que “impulsos” é ainda melhor que “sexo” — comentou Joe.
— Agora, voltem os dois para o quarto. Vamos esquecer essa história de fornicação!
— Aí está — sussurrou Demi. — A melhor da noite.
— Fornicação. — Joe ergueu uma das mãos no ar, por trás de Demi. Ela bateu a mão na dele, em comemoração, antes de fecharem a porta bem devagarzinho.
Vovó chamou seus nomes.
— Rápido! — exclamou Demi. — Para o chão!
Atenção, isso não é um treino!
Joe mergulhou em direção ao travesseiro, caindo de cara nos cobertores arrumados no chão, ao mesmo tempo que Demi se jogou na cama. A porta se abriu.
Vovó suspirou.
— Ah, que crianças boazinhas! Tão bem comportadas!
Quando a porta se fechou, Demi suspirou alto.
— Essa foi por pouco.
— Fiquei curioso com uma coisa.
— O quê?
— Vovó estava com um apito, hoje de manhã... e, agora, uma arma. Tenho certeza de que meu pai deixa o armário de armas trancado justamente por isso. Ele até esconde a munição.
— Já parei de tentar entender o que vovó faz.
Joe riu. O som de sua voz produziu uma onda de calor que se agitou pelo corpo de Demi. Ela rolou para o lado, na cama, e olhou para o chão.
Ele olhou para cima.
— Que foi? Está procurando mais arranhões? A oferta ainda está de pé. — Joe levou as mãos ao cós da calça do pijama e começou a baixá-la.
Demi cobriu os olhos.
— Não tire as calças.
— Hum — murmurou Joe. — Acho que é a primeira vez que ouço isso de uma mulher que está comigo em um quarto escuro.
— E aí?
— Doeu.
Demi ainda estava de olhos fechados quando as mãos de Joe tocaram suas bochechas. Não tinha escolha a não ser abri-los e sentir o poder que aqueles olhos cor de mel exerciam sobre ela. Joe sorriu de um jeito sincero, sensual, verdadeiro, um sorriso daqueles que revelavam até a alma e a faziam desejar vender a própria avó para a Coreia do Norte — qualquer coisa para conseguir se casar com aquele homem!
— Mas sempre dói antes de ficar bom — completou ele.
— O-o quê? — Ela não conseguia falar direito. Não enquanto aquelas mãos tocavam seu corpo, não enquanto Joe, sem camisa, a encarava com seus olhos cor de mel como se ela fosse a mulher mais linda que ele já vira.
— Os arranhões, eles sempre doem antes de melhorar.
Dói ser rejeitado, mas acho que no final vai valer a pena.
— Você deveria beber com mais frequência — brincou Demi. — Fica todo sentimental.
— Não é a bebida — murmurou Joe, com os lábios tão próximos dos dela, que Demi quase podia sentir seu gosto... — Boa noite, Demi.
— Boa noite. — E Demi achou a própria voz estranha e distante enquanto Joe soltava seu rosto e descia de volta para a cama improvisada. — Tenha bons sonhos.
Ele se virou para o lado e deu outro de seus sorrisos brilhantes.
— Se você ouvir seu nome, já sabe o motivo.
E ela se derreteu.
Droga.
Demi conseguiu retribuir o sorriso antes de se deitar outra vez e começar a travar uma batalha interior. Será que Joe estava mesmo mudando? E se ele estivesse tentando e ela não tivesse reparado porque estava muito concentrada em Jace?
Jace estava interessado.
Joe era um risco.
Teve que acrescentar uma noite sem dormir à sua lista de incontáveis problemas. Sem mencionar o fato de que havia ignorado todas as ligações do trabalho.
Joe. Demi sempre o quisera, e agora que ele estava ali, bem na frente dela, vulnerável e tentando de verdade, tinha a obrigação moral de tentar também.
E era isso que faria.
Talvez perdesse o emprego e o coração, tudo outra vez, pela chance ínfima de que o garoto do acampamento da escola realmente quisesse beijá-la.

*****

To passando pra postar rapidinho porque to em semana de provas.. Só vou poder postar mais sexta a noite. Beijos, meus anjos.

17.10.15

Capítulo Trinta e Quatro e Trinta e Cinco



Capítulo 34

Furiosa, Selena saiu atrás de Joe, mas não o encontrou em lugar algum. Maldito fosse, por escolher justamente aquele fim de semana, na semana do casamento dela, para encontrar a consciência! O momento não podia ser pior! Mas a expressão nos olhos dele quando olhou para Demi e depois para o restante da família...
Aquilo a tinha deixado enjoada.
Sim, ele era um babaca, mas qualquer um que não fosse cego podia ver que estava tentando, exceto pela pequena recaída da noite anterior. Mas ele lhe dissera que não tinha acontecido nada. Homens que tinham aquela expressão no olhar não estavam mentindo... Ele estava vulnerável demais, sensível demais para fazer algo do tipo.
— Selena... — chamou Nick, na entrada na casa.
Ela não estava suficientemente escondida pelas paredes do corredor. Os passos de Nick soaram mais próximos, até que ele parou logo atrás dela.
— Que foi?
— Desculpe.
— Isso não basta.
— Que droga! — Nick a segurou por trás e a virou, prendendo-a contra a parede. — Eu pedi desculpas.
— Por que está se desculpando, exatamente? Por ter sido um babaca com seu irmão? Por dizer a ele que ficasse longe da única garota de quem ele gosta de verdade? Ou por falar mal dele o tempo todo na frente dos seus pais, e até de Jace, hein? Pode escolher. — Ela tentou se soltar, mas Nick era grande demais. Um músculo tremia em sua mandíbula, enquanto ele se aproximava. Por que ele tinha de ser tão atraente? Seria bem mais fácil brigar se ele fosse feio, ou se a gagueira da infância decidisse reaparecer agora.
— Escute. — Ele a segurou no queixo e a fez olhar para cima, então sorriu. — Não posso evitar.
— Esse é o pior pedido de desculpas de todos os tempos.
— Não terminei. — Os olhos de Nick brilharam quando ele beijou seus lábios com delicadeza e se afastou. — Ainda tenho problemas com ele. E você deve entender por quê, Selena. Quer dizer, ele dormiu com você e depois a abandonou, na faculdade. Ano passado ele estava considerando casar com você e manter uma amante. E ainda pensando que essa fosse de fato uma boa ideia! Ele a usou para conseguir uma promoção no trabalho e, alguns meses depois, você quer que eu comece a confiar nele? Ele ainda não nos provou nada. Confiança precisa ser conquistada, e ele ainda não aprendeu nada. Nunca precisou.
Selena suspirou e mordeu o lábio antes de responder.
— Entendo o que você está dizendo, mas preciso que confie em mim. Conheço aquela expressão no rosto dele. Conheço Joe. Ele é seu irmão, eu sei, mas era meu melhor amigo quando criança. Acho que ele está cansado de ser a ovelha negra, mas não vai melhorar se sentir que nunca terá uma chance. Talvez a gente devesse deixar as coisas fluírem, o que acha?
Nick soltou um palavrão.
— Então, o que você quer? Que eu vá lá e dê um abraço nele, ou coisa do tipo? Sinto muito, mas deixar as coisas fluírem significa não apenas que estaremos apostando em Joe, mas também que, se perdermos, o que tem noventa por cento de chance de acontecer, aliás, vovó vai cantar bem no nosso casamento. E por uma hora inteira, enquanto as pessoas vão beber até a morte.
Ah, Nick! Tão bruto e protetor! Era por isso que ela estava se casando com ele. Era o homem mais atraente que já conhecera, e seria todo dela. Com um sorriso provocante, ela se inclinou e roçou os lábios nos dele.
— Quero ver você tentar. Por favor? Por mim?
— Tentar? — A voz dele estava rouca. — Tentar o quê?
— Tentar não ser um babaca e dar uma chance a ele.
Nick gemeu, com os lábios colados aos dela, empurrou Selena com mais força contra a parede e alinhou seus corpos, erguendo-a nos braços e trazendo-a para bem junto de si.
— Está bem, vou tentar. Mas, se vou tentar a sorte com ele, é melhor você fazer o mesmo com vovó.
— O quê? — Os lábios dele se afastaram dos dela e desceram pelo pescoço, deixando uma trilha de fogo.
— Vovó. Tente despistá-la hoje à noite — disse ele.
— Por quê?
Aquilo era novo? A língua dele provocava sensações tão boas ao passar pela base de sua garganta que ela apertou a blusa de Nick e gemeu.
— Porque quero você. — Usando os dentes, ele puxou o decote do vestido de Selena e começou a provocá-la, descendo por seu corpo. — E posso morrer se eu não a tiver.
— Não se comporte como um menino.
Ela arfava.
— He-hem — pigarreou uma voz, vinda da sala.
Soltando um palavrão, Nick pôs Selena de novo no chão, devagar, e a empurrou para a frente de seu corpo. Covarde. Vovó estava lá, de braços cruzados, encarando-os com o olhar fuzilante.
— Atenção às regras, vocês dois. Parecem crianças.
— Eu não ia querer que minhas crianças se comportassem assim... — começou Nick, atrás de Selena. Ele tinha que dizer alguma coisa.
Vovó estreitou os olhos enquanto avançava o restante do caminho até os dois, pisando forte. Como uma boa noiva, assim que vovó parou diante dela, Selena lhe deu passagem. Então vovó conseguiu pegar Nick pela orelha e arrastá-lo pelo corredor.
— Muito obrigado, Selena! — gritou o noivo enquanto vovó o carregava para fora da casa.

Capítulo 35

A brisa fria da noite soprava sobre o rio Columbia enquanto Joe tomava um gole de cerveja. A vista da casa da árvore sempre fora a favorita da família. Eles a construíram pensando no rio: ela era bastante alta, chegando a permitir que a vista alcançasse além das árvores, mas não alta em excesso, a ponto de arriscar uma fatalidade, caso alguma das crianças — Joe, Nick e Selena — caísse de lá.
Demi já tinha ido lá uma vez, talvez duas.
Ela estava com sete anos quando Joe a viu pela primeira vez. Demi foi direto até ele e o socou no nariz.
Quando o sangramento parou, duas horas depois, ele perguntou por que ela fizera aquilo.
A resposta?
Ele estava olhando para ela de um jeito estranho.
Irritado, Joe gritou com Demi e disse que não a olharia tanto se ela não fosse tão feia. Ela chorou, e foi assim que começou o relacionamento conturbado dos dois nos primeiros anos da escola.
No ensino fundamental, as coisas mudaram. Demi tinha começado a virar uma garota bem bonita, mas uma garota bem bonita que não queria nada com ele.
Até o sexto ano. Ele tinha escrito um bilhete durante a aula, perguntando se ela queria passear com ele no intervalo.
Ficaram inseparáveis depois daquilo. E tudo por causa de um Twinkie, aquele bolinho amarelo, que, como reza a lenda, resistiria a um ataque nuclear, se isso viesse a acontecer. Sério, seria a comida que os alienígenas encontrariam em bom estado depois de um milhão de anos. Sem mofo. Amarelo como sempre.
Ele sempre odiou Twinkies, mas, naquele dia, decidira pegar alguns. Nunca disse a ela que os odiava. Só fingiu que os guardaria para depois e ficou observando enquanto ela comia o dela. Ela era tão bonita! O cabelo era bem mais escuro naquela época. Mais preto que castanho.
Os olhos faziam um contraste tão bonito com o cabelo escuro que ele teve de encará-la outra vez. Dessa vez, ela não o socou. Apenas corou e desviou o olhar.
Naquele momento, soube que tinha uma tremenda queda por ela. Sentiu até vergonha de contar aquilo a Selena, que, na época, era a melhor amiga dele. Nem cogitava em contar a Nick, que odiava todo o mundo.
E Joe sempre sentia que era comparado ao irmão, quando criança. Então guardou aquilo para si.
Assim como a coleção de Twinkies.
Todos na casa da árvore.
A lembrança o fez rir, e ele ficou se perguntando se alguém, em algum momento, encontrara os bolinhos e ficara tentando entender por que ele os estocara como se fosse um esquilo faminto.
Refletindo sobre o passado, não conseguia lembrar o que tinha acontecido entre os dois — Demi e ele. No ensino médio, ela simplesmente parara de falar com ele.
Ele até havia comprado uma caixa de Twinkies e colocado no armário dela, com um bilhete.
Sabia que ela havia recebido o presente, porque a vira sorrir ao ler o bilhete e abrir a caixa. Mas aquilo tinha sido no primeiro dia de aula. E no ensino médio ele vivera seu ápice. Era difícil conversar com Demi, que estava sempre indisponível. E o restante das garotas era ridiculamente disponível, então ele se aproveitara daquilo.
Depois da escola, Demi virara apenas uma conhecida, e depois um caso de uma noite só. E agora... agora ela era apenas... uma grande confusão.
Uma confusão na qual ele queria se meter. Na qual ele queria dar um jeito.
Só que, de alguma forma, tinha sido ele a causa de tudo. A coisa mais inteligente a fazer — e também a mais certa — seria perguntar o que havia acontecido. Mas o passado era passado, e ele precisava seguir em frente.
Quando fora que sua vida tinha se tornado isto de que ele não sentia nenhum orgulho? Ele recebera todas as coisas de bandeja, mas, de alguma forma, conseguira estragar tudo. O próprio irmão não o queria como padrinho!
Como ele não tinha percebido isso?
Não tinha percebido nada — e eram muitas coisas.
Não reparara que o pai parecia vinte anos mais velho que na última vez que o vira. E que a mãe fingia que tudo estava bem com vovó, embora ele tivesse visto que, no banheiro, antes do jantar, a avó quase tossira o pulmão inteiro.
Sentiu uma dor aguda bem no peito. O que ele estava fazendo com a própria vida?
Com o estômago revirado, pegou a segunda cerveja — duas, em quinze minutos. Uma gaivota pousou no telhado da casa na árvore e o encarou. Ele ergueu a garrafa, em cumprimento, e fez uma careta.
Este era o futuro dele.
Cervejas, gaivotas e uma casa na árvore.
A ave fez um barulho que se assemelhou bastante a uma provocação.
Ótimo, também estava ficando louco!
Viu uma silhueta que se afastava da casa e caminhava em sua direção. Ignorando-a, terminou a cerveja e abriu outra.
O som de alguém subindo as escadas da casa da árvore fez seu estômago se revirar ainda mais. Se fosse Nick ou Jace, não se responsabilizaria pelos próprios atos. Não mesmo.
O alçapão se abriu e Demi o atravessou, com o lindo vestido preto e tudo.
— Joe!
Ele se preparou para o poder que aquela beleza exercia sobre ele, os efeitos daquele vestido, os sentimentos que aqueles malditos olhos cristalinos provocavam.
— Oi? — Nossa! Ele precisava mesmo melhorar a atuação! Sua voz soou tão tensa que foi ridículo.
— Você está bem? — Demi se içou para dentro da casa da árvore e se sentou a seu lado.
— É claro. — Joe deu de ombros. — Só precisava sair de lá. — Finja que está tudo bem. Sem complicações. Ele deu de ombros outra vez. Talvez estivesse fazendo aquele movimento mais do que deveria. Seu ombro chegou a se preparar para uma terceira vez. Ok, estava na hora de esquecer a atuação, ele só precisava de mais álcool. Tomou um gole longo e desviou os olhos, como um adolescente.
— Você não parece bem — comentou Demi, baixinho.
Ele a encarou por um momento, antes de umedecer os lábios e apontar para o rio Columbia.
— Sabia que, na parte mais funda, o rio pode chegar a mais de 360 metros de profundidade?
— Isso é... interess...
— E que... — Joe pigarreou — ...os índios norte-americanos acreditavam que foi uma briga entre dois irmãos que causou a erupção do monte Santa Helena? Eles eram apaixonados pela mesma garota, mas, como ela não conseguiu escolher um dos dois, ficaram irritados. Começaram a brigar, e vilas foram destruídas. O pai, zangado com os filhos, que não conseguiram colocar a família em primeiro lugar, antes do amor de uma garota, transformou-os em montanhas.
Demi sorriu e olhou para o rio.
— Quais montanhas?
— O primeiro filho virou o monte Hood, com a cabeça orgulhosa erguida para os céus. — Joe apontou para a montanha. Dava para ver de onde estavam, quando o céu estava limpo, e por sorte ainda não estava muito escuro. — O outro foi transformado no monte Adams, com o rosto virado para onde a menina que amava caiu.
Demi ficou em silêncio enquanto olhava para a outra montanha.
— E a garota? O que aconteceu com ela?
— Ela explodiu.
Diante da respiração surpresa de Demi, Joe riu, sentindo-se melhor, ali, do que se sentira ao longo de todo o dia.
— Não, é sério. Conta a lenda que ela foi transformada no monte Santa Helena.
— Então... — Demi jogou o corpo para trás, apoiando-se nas mãos, e inclinou a cabeça. — Você está me dizendo que os irmãos queriam ficar com ela, ela não conseguiu se decidir por nenhum dos dois e, no fim, todos sofreram e ela morreu?
É, não era a melhor história para contar a Demi naquele momento, mas ele estava desesperado, tentando impedir que ela perguntasse o óbvio — qual era o problema? — e então ele acabasse despejando seus sentimentos nela.
— Acho que sei por que você gosta dessa história.
Surpreso, Joe deu uma risada breve.
— Como assim? É só uma história.
— Não é, não. — Demi apontou para o rio. — Toda essa coisa sobre a profundidade do rio foi a sua forma de evitar expressar seus sentimentos. A história, no entanto, foi sua maneira de botá-los para fora.
— O quê? — Desde quando ela era psicóloga?
Demi pegou uma cerveja.
— Você teria lutado pela garota? Pela garota que você ama? Ou teria desistido?
Joe ficou quieto. Ele olhou para as duas montanhas ao longe.
— Eu teria feito a coisa mais fácil.
— E qual seria?
Ele deu de ombros. Nossa, estava fazendo muito isso!
— Teria ido embora.
— Por quê?
— Porque é isso que eu faço, Demi. Eu vou embora. Escolho o caminho mais fácil. É isso que você quer ouvir? Quer que eu diga que sou diferente? Que sou o bom moço? O tipo de cara que luta pelo que quer? Bem, eu não luto por porcaria nenhuma. Não preciso. Nunca precisei.
Demi bebeu a cerveja em silêncio, mas suas mãos tremiam quando levou a bebida aos lábios. Joe suspirou e desviou o olhar.
— Não sou esse tipo de cara.
— Quem disse? — Havia súplica na voz dela.
Joe balançou a cabeça e olhou para a casa. O som de risos podia ser ouvido no quintal.
— Todo o mundo diz.
— Até mesmo vovó?
— Certo. Tenho uma fã. — Joe disse isso e soltou um palavrão.
— Duas. — De repente, ele viu a cerveja de Demi bem na sua frente. Ela bateu a garrafa na dele e sorriu. — Você tem duas fãs.
Joe riu.
— E quem diz é a garota que ameaçou minha vida várias vezes na última semana.
— Ei! — Demi não se afastou. Em vez disso, ela se inclinou na direção dele. — Parceiros na dança do acasalamento precisam apoiar um ao outro.
— Está bem. E aparentemente preciso de toda a ajuda possível, já que minha autoestima é muito baixa… culpa das camisinhas PP.
— Quem sou eu para julgar? Estou aqui enchendo a cara... e todos sabem que tenho problema com bebida.
Eles riram. Foi uma risada fácil, até que o vento mudou de direção e Joe sentiu o perfume floral que ela usava. Ele ficou tenso e ela ergueu a cabeça e se aproximou dele.
— Demi? — chamou a voz de Jace. — Demi, está aí em cima? Não consigo ver você! Está na hora da sobremesa!
— Eu sei. — Ela não tirou os olhos dos de Joe.
— Que pena — sussurrou Joe, segurando seu queixo entre as mãos. — Estava pronto para comer a sobremesa mais cedo.
— A maioria das pessoas precisa lutar para ter esse privilégio.
Ele engoliu em seco e encarou os lábios carnudos de Demi.
— Prometo que vou.
— Não seja uma montanha.
— O quê? — Ele se afastou.
Demi se levantou.
— Não desista, não seja uma montanha.
— Então, o que eu devo ser?
Ela não respondeu. Apenas caminhou até a escada e começou a descê-la devagar. Mas, um pouco antes de sumir de vista, sussurrou:
— Você mesmo, Joe. Seja você mesmo.

*****

Um capítulo duplo pra vocês. O que estão achando?
Se tiver comentários posto outro hoje a noite.. Beijos!  

16.10.15

Capítulo Trinta e Três




Demi ia arrancar o próprio braço e comê-lo, de tanta fome. Será que a mãe de Joe estava tentando torturá-la, sacudindo aquelas batatas com um cheiro delicioso bem debaixo de seu nariz? Já tinha ouvido dizerem que a mulher falava pelos cotovelos, mas não sabia que seria daquele jeito.
A colher ia e vinha enquanto Denise falava. Pairava sobre o prato, e então a travessa; de novo o prato, mais uma vez a travessa. Ela parecia um gato brincando com a presa — devia ser exatamente assim.
Denise riu com Selena, pegou uma colherada de purê de batatas para servir Demi, mas foi distraída pela conversa.
A colher passou outra vez por cima do prato de Demi e voltou para a travessa. Demi podia jurar que Selena mantinha Denise falando de propósito.
Finalmente, três horas depois — está bem, estava mais para vinte minutos —, todos estavam servidos e comendo, felizes. Se é que “felizes” incluía vovó contando histórias de Las Vegas enquanto Nick encarava o frango como quem o estivesse achando muito sensual.
Demi quase se sentiu mal por ele. Mas Nick se casaria em uma semana, então era provável que não fosse morrer, nem nada do tipo. Jace estava à direita de Demi e Joe, à esquerda. Ou seja: é claro que o clima não estava estranho, nem um pouco! Cada vez que o braço de Jace roçava no dela, Demi se inclinava mais na direção de Joe, o que a fazia ter calafrios toda vez que a pele dos dois entrava em contato.
Beber água sempre fora uma espécie de tique nervoso.
O momento era constrangedor? Um gole d’água. Não sabia o que dizer? Um gole d’água.
Mas não havia água.
Apenas vinho.
O que significava que, se ela tivesse alguma esperança de sobreviver à noite, precisaria esvaziar todas as garrafas da mesa.
Ela já tinha bebido duas taças, e estavam apenas no terceiro prato.
— Então. — Jace lhe serviu outra taça. Ah, maravilha!
— Nick disse que você é uma repórter famosa.
— Não sei se eu diria famosa...
— É claro que é. — Do outro lado da mesa, Nick deu uma piscadela. — Ela é uma das favoritas de Seattle.
— Você seria a minha favorita. — Jace também piscou.
Joe teve um ataque de tosse. Ela lhe deu uma cotovelada nas costelas enquanto mantinha os olhos em Jace.
— Obrigada. Isso é muito gentil.
Ele deu de ombros de um jeito tão elegante que Demi teve vontade de vomitar.
— Bem, é verdade.
Demi desviou os olhos e comeu um pouco de purê. Ao menos a comida estava maravilhosa, apesar de as pessoas ao seu redor a estarem enlouquecendo. Jace disse mais alguma coisa, mas ela já não estava prestando atenção suficiente — não com a perna de Joe encostada na dela.
Demi se virou para Jace, que riu e se inclinou para mais perto.
— Desculpe. É só que tem purê de batatas no seu rosto.
A boca de Jace estava a centímetros da de Demi, quando de repente Joe praticamente pulou da cadeira.
— Filho da puta!
— O quê? O que houve? — Paul Jonas, o pai de Joe, se levantou da cadeira depressa e olhou ao redor.
— Hã... — Os olhos de Joe assumiram uma expressão confusa. — Um esquilo. Achei que tivesse visto um esquilo.
Selena tomou um gole de vinho e falou:
— Joe tem medo de esquilos.
— Lembre-me de enfiar um nas calças dele — zombou Demi.
— Talvez assim ele até consiga encontrar algumas nozes. — Essa veio de Nick.
Denise riu, sem jeito, e serviu mais vinho, depois cutucou Paul para que ele dissesse alguma coisa, mas vovó já estava no controle da situação.
— Ah, não sei, não. Todos os meus netos têm nozes.
Cada um deles. Eu me certifiquei de que todos eram meninos assim que nasceram, não foi, Paul?
— Eu, hã... — O pai de Joe olhou para Denise e balançou a cabeça enfaticamente. — Um brinde... — Ele fez uma careta e ergueu a taça. — À mais dedicada das avós.
— Eu não tenho nozes? — repetiu Joe, que ainda parecia preso ao primeiro golpe contra sua masculinidade.
— Você ouviu o que ele disse — comentou Jace. — O primeiro passo é admitir que tem um problema.
— Com o quê? — Joe cerrou os punhos. — Encontrar minhas nozes? Minha masculinidade? Minhas bolas? Quem você pensa que é? — Seu rosto ficou vermelho.
— Ah, ele é um senador — intrometeu-se Denise, sem ser de muita ajuda.
Alguém deu um chute em Demi. Devia ser para Denise, porque, segundos depois, a mãe de Joe se encolheu de dor. — Quer saber? — Joe jogou o guardanapo na mesa.
— Estou cheio de você e dessa sua atitude, senhor senador.
— Está, é? — perguntou Jace, frio, colocando o copo de água na mesa e sorrindo. — Engraçado, porque eu estava cheio de você no instante em que soube que vinha para o casamento. Diga, quando foi a última vez que você jantou com Nick? Quando foi a última vez que jogou golfe com ele? Hem? Conheceu os amigos dele?
Fez alguma dessas coisas, padrinho? — Jace deu um sorriso malicioso para Joe. — Você é o irmão, portanto, o título tinha que ser seu. Mas em questão de amizade?
Você é o pior que tem.
— Chega! — Joe se lançou sobre Jace.
O senador se afastou e deu um soco na cara do adversário.
— E fique longe de Demi! — Joe mirou a bochecha de Jace, que se esquivou. No embalo, Joe foi de encontro à mesa, derramando vinho para todos os lados.
Demi se levantou, mas vovó fez com que ela se sentasse outra vez e sussurrou:
— Ah, querida, aproveite! Um entretenimento muito agradável. Deixe que briguem. — Então deu uma piscadela e se pôs a mexer no colar de pérolas que trazia no pescoço.
— Joe! — gritou Paul. — Pare!
Soltando um palavrão, Nick se levantou da mesa e andou até onde Joe, caído, tentava se levantar. Ele o segurou no instante em que o irmão investia contra Jace outra vez.
— Pare — disse Nick, em um tom duro. — Estou falando sério, Joe. — Ele empurrou o peito do irmão.
— Pela primeira vez na vida, fique na sua.
— Mas... — Joe franziu a testa em uma expressão agoniada, fitando os rostos chocados à mesa. O estômago de Demi se revirou quando ela sentiu os olhos suplicantes nos seus. O que devia dizer? Envergonhada, ela olhou para o prato, e ouviu Joe soltar um palavrão e se afastar.
— Bem, isso foi divertido. — Selena soltou uma risada, nervosa. Todos se juntaram a ela. Jace retomou seu lugar ao lado de Demi e ajeitou a gravata.
— Peço desculpas. — Ele levou um guardanapo ao corte no lábio e deu uma piscadela. — Ele sabe mesmo dar um soco.
— Ele treina. — Paul serviu-se de outra taça de vinho. — Todos os dias.
— Treina? — perguntou Demi. — Como assim?
Denise deu tapinhas nas costas de Paul e direcionou a Demi um sorriso um tanto abalado.
— Boxe, querida. Ele luta.
— É bom mesmo saber lutar alguma coisa, depois de rejeitar tantas mulheres... — comentou Nick, do outro lado da mesa.
— Já chega! — gritou Selena, levantando-se.
Meu Deus, quantas brigas aconteceriam?
Os olhos de Nick quase pularam da cabeça quando Selena enfiou o dedo em sua cara.
— Não sei qual é o seu problema, mas ele é seu irmão! — Ela jogou as mãos para o alto, impaciente. — Algum de vocês já pensou em dar uma chance a ele?
Sinto muito por estragar a programação, vovó, mas não aguento mais. — Com isso, Selena voltou para a casa.
Nick engoliu em seco e olhou para a mesa, com a expressão culpada.
— Já volto.

*****

Eu não tenho justificativa pra toda essa demora. Me desculpem.
O que acharam do novo álbum da Demi? Eu amei, meu Deus  
Amo vocês, e desculpa de novo.
Deem uma olhada nesse blog: More Than Just a Dream
Beijos!