– UM PIQUENIQUE – repetiu Joe inexpressivamente. Ele devia ter
ouvido mal as palavras de Demi. O objetivo de sua insistência em apenas saírem
era para provar que emoções eram mais satisfatórias que luxúria. O que um
piquenique iria provar? Como intensificar a frustração dele por não conseguir
luxúria? – Você está brincando, certo?
Demi lançou um olhar irônico e continuou a guardar as coisas.
Cesta de vime, cobertor, uma bolsa do que pareciam ser... brinquedos? Joe
semicerrou os olhos para ver melhor, mas não conseguiu distinguir. Ela
realmente estava falando sério. O olhar incrédulo dele se voltou para encontrar
os olhos castanhos divertidos dela.
– Um piquenique vai ser legal – assegurou ela, enquanto seguia
para a porta de seu apartamento, ignorando abertamente a consternação dele. –
Ar fresco, atmosfera relaxante. Vamos lá, vai ser divertido.
Com porta aberta, ela se virou para olhar por sobre o ombro e
revirou os olhos.
– O que foi? Você odeia piqueniques ou coisa assim?
Joe fez uma busca em seu cérebro por opiniões sobre piqueniques,
mas não encontrou nada, então simplesmente deu de ombros.
– Você já esteve em um piquenique? – perguntou ela.
– Não – respondeu ele, não muito certo de por que soou, ou se
sentiu, acanhado.
– Então venha, é uma experiência nova. Pensei que você fosse do
tipo que gostasse de novidades.
– Claro. Quando elas envolvem sexo ou aventura. Não ficar sentado
em um gramado úmido espantando insetos do meu almoço.
Os olhos dela brilharam à menção do sexo. Joe ficou feliz por ver
o calor latente ali, assegurando que ele não era o único sofrendo ao longo
daqueles encontros estúpidos para que ela pudesse tentar provar sua
argumentação. Uma argumentação da qual havia se aproximado muito mais durante o
jantar e a dança torturante do que com a ideia de piquenique.
Então o calor se dissipou e ela lhe ofereceu um sorriso amigável. Joe
teve vontade de gemer. Mais ainda, ele queria jogá-la no sofá e reviver as
lembranças incríveis que eles tinham criado há poucas semanas.
Ter de seguir as regras dela estava acabando com ele.
– Vou proteger você – prometeu ela, indiferente à agitação dele.
Esticou-se para trás e agarrou o pulso de Joe, então o puxou porta afora rumo à
segurança nebulosa do piquenique.
Uma hora depois, Joe admitia:
– Isto é legal. Eu não chamaria de divertido, mas não é ruim.
Ele se reclinou sobre o cobertor, a grama espessa criando um
colchão confortável sob as costas dele. Uma amoreira imensa oferecia sombra
para eles, bem como um padrão intrigante de luz salpicada sobre o cabelo de Demi.
Diabos, ela estava linda.
– Não é ruim, hein? Grande elogio, de fato – retrucou Demi, com
uma gargalhada.
Os sons do parque, pássaros e risadas de crianças preenchiam o ar
com uma felicidade despreocupada. Era esquisito como aquilo fazia Joe se sentir
mais leve. Não passional, no entanto, então ele ainda não conseguia enxergar
como aquilo trabalhava a favor da argumentação de Demi. Daí ele se tocou.
Talvez fosse apenas o que aparentava. Um passeio confortável e relaxante entre
duas pessoas que eram... o quê?
Joe franziu a testa enquanto observava Demi pegar os vasilhames
com comida e organizá-los novamente na cesta. Eles eram amigos? Ele podia
conversar com ela sobre qualquer coisa, na verdade; ficava ansioso pelos
debates desde que ela o obrigara a pensar além da zona de conforto. Eles riam
juntos, tinham interesses mútuos, gostos similares. Todos os itens relacionados
a amigos. Que tal amantes? Aquilo implicava uma intimidade além de sexo
vigoroso, não é? No entanto, por mais que ele gostasse de afirmar o contrário,
queria que fossem amantes. Uma noite de sexo incrível e alucinante não tinha
sido o suficiente.
O olhar de Joe trilhou pelo contorno nítido do maxilar dela, a
curva doce dos lábios. Ele a desejava. Mais do que conseguia se lembrar de ter
desejado qualquer outra mulher. Ele havia sugerido que a aposta fosse uma
aventura com um mês de duração, em parte porque um mês era seu limite para
relacionamentos. Embora Demi definitivamente tivesse inserido um friso na linha
do tempo dele, Joe sabia que queria ficar com ela por muito tempo além daquele
mês. Ele poderia passar todas as noites do ano seguinte com ela e ainda assim
não conseguiria fazer todas as coisas que vinha sonhando em fazer.
Demi pegou um pacote de biscoitos, distraindo-o da outra fome que
o corroía. Ele gemeu e pôs a mão sobre a barriga. Como aquele era o único
apetite que Demi concordava em satisfazer por ora, ele prometeu a si que
acrescentaria mais um quilômetro à sua corrida matinal, e pegou três
biscoitinhos.
– Você come assim em todos os piqueniques? – perguntou ele.
O olhar dela foi ao mesmo tempo tímido e triste. Ele queria largar
os biscoitos e lhe dar um abraço, porém o empinar do queixo dela desafiou a
piedade.
– Sinceramente? Este também é meu primeiro piquenique. – Ela
desprezou o olhar chocado dele. – Eu normalmente caminho neste parque para me
exercitar, sabe? Sempre vejo as pessoas fazendo piqueniques.
Famílias, casais. Parecia algo… especial.
Ignorando o ar de “não sinta pena de mim” dela, Joe esticou o
braço e pegou sua mão.
– Se você tinha vontade de comer em um parque, por que
simplesmente não o fez? Você me parece ser uma mulher que sempre corre atrás do
que deseja, mesmo que seja algo tão simples como comer sobre um gramado.
Ela começou a dizer alguma coisa, então balançou a cabeça.
– Quando eu era criança, meu pai estava sempre ocupado demais.
Mesmo que tivesse tempo para fazer as coisas, o reitor... Quero dizer, papai
definitivamente não era o tipo de sujeito amante das atividades ao ar livre.
Ele era mais adepto a passeios em bibliotecas.
O reitor. Belo apelido para o pai. Joe se perguntava que tipo de
sujeito travado acabava ganhando essa alcunha da única filha.
– Minha família também não era adepta de piqueniques – admitiu Joe,
observando a brincadeira entre os dedos deles em vez de encarar Demi enquanto
conversava seu segredo profundo e sombrio. – Meu pai foi embora antes de eu
nascer, e minha mãe... Bem, ela não gostava de passar o tempo comigo, a menos
que houvesse um objetivo por trás disso.
Você sabe, impressionar um marido em potencial com suas
habilidades maternais. Mas ela sempre escolhia programas como sorveterias e
pizzarias. Coisas que mantivessem minha boca ocupada para que eu não a
delatasse. Talvez essa seja, de fato, minha primeira incursão em um parque
público.
Ele encontrou os olhos dela, buscando por pena, mas vendo apenas
aceitação. Demi realmente era diferente das outras mulheres. Uma tensão que ele
nem mesmo havia notado tinha se depositado em seus ombros. Culpando a
insalubridade do ar fresco por sua urgência de compartilhar coisas, Joe se
abriu pela primeira vez na vida. Conversaram sobre a infância de ambos.
Compararam a infância com pais ausentes, as expectativas de encontros e as
formas particulares de rebeldia.
– Então escrever foi seu meio de se vingar da sua mãe? – perguntou
ela, os olhos arregalados de surpresa. – Como? Quero dizer, acho que rebeldia é
fugir, quebrar regras, fazer coisas para constranger seus pais...
A voz dela esmoreceu e Demi franziu a testa. Seu olhar baixou para
o cobertor e ela piscou algumas vezes, então olhou para ele outra vez.
Joe não tinha muita certeza de por que aquele pensamento a atingiu
com tanta força. Ele não sabia se era por causa do olhar triste dela ou da
serenidade ímpar do parque em geral, mas se ouviu sendo alarmantemente honesto:
– É um pouco complicado constranger alguém que não percebe sua
presença ali – explicou ele. – Escrever estava mais para uma fuga. Um jeito de
fugir do drama emocional constante que minha mãe fazia. Uma vez que comecei a
vender livros, tornou-se um troféu, de certa forma. Você sabe, um sinal de que
eu era... bem, especial.
Joe estremeceu. Que coisa mais piegas de se dizer. Ele esperou a
risada de Demi, que não veio. Em vez disso, ela fechou os dedos sobre os dele e
levou a mão dele à boca. Um beijo delicado nos nós dos dedos e Joe derreteu por
dentro.
– Fico feliz por você ter encontrado essa afirmação – disse ela.
Os olhos deixavam claro que ela não estava feliz. – Você é incrivelmente
talentoso e merece saber disso.
Ele queria dizer a Demi que ela era talentosa e especial também.
Mostrar o quando a considerava incrível. Joe não fazia ideia de como lidar com
as emoções que se debatiam dentro dele, exigindo que compartilhasse mais
coisas. Aquilo o assustava muito. E era só o que ele podia fazer para não se
levantar e fugir.
– Você sentia vontade de escrever? – perguntou ele, mudando de
assunto de forma típica.
– Definitivamente não. Sou uma leitora – disse ela, o tom inflexível.
– Admiro, até mesmo reverencio a palavra escrita e fico surpresa com a
criatividade necessária para levar uma história da imaginação até o papel. Mas
meu pai enxerga a ficção comercial com o equivalente ao crack para o cérebro.
– Ele deve estar em êxtase por ver você escrevendo resenhas como
ganha-pão, então – gargalhou Joe.
O olhar dela, culpa misturada a uma rebeldia teimosa, assegurou a Joe
que seu pai não fazia ideia da existência daquele trabalho. Joe riu outra vez.
Que bom para ela. Sua audácia era uma das coisas que a tornavam tão fascinante.
– Assim como não escrevo minhas resenhas buscando aprovação,
também não escolho meu material de leitura me baseando no que ele, ou qualquer
pessoa, pensa ser adequado. Sou tão propensa a ler os suspenses eróticos de Joseph
Jonas quanto as obras de Homero, Jane Austen ou J. K. Rowling.
– Fico honrado por você me colocar ao lado desses autores – disse
ele, com sinceridade. A imagem de um de seus livros empilhados no balcão do
caixa ao lado das obras deles era humilhante.
– Bem – começou ela, com uma honestidade brutal –, eu não diria
que você está no mesmo nível deles. Afinal, todas as obras deles se concentram
naquela única coisa que você está tão determinado a evitar.
– Emoção – disseram juntos.
Ela riu, a tristeza longe de seus olhos. Joe foi tomado pelo
alívio.
– Suas histórias fornecem uma fuga – assegurou Demi a ele. – Elas
definitivamente preenchem um nicho. Mas... – Ela meneou o ombro sedoso e
ofereceu um sorriso que fez Joe querer saltar sobre prédios altos e carregar
trens acima da cabeça. – Você é tão mais que isso. Seu talento é
extraordinário, então por que você não tiraria partido dele?
– Por que pressionar por emoções, já que elas são parte das
mazelas do mundo da qual a maioria das pessoas está tentando se esconder?
– Mas é exatamente isso, eu não creio que as pessoas leiam para
fugir das emoções, elas estão lendo para ver o triunfo das emoções. Pelo menos
– corrigiu ela, se inclinando para a frente para roubar um pedaço do biscoito
dele – as emoções positivas.
Enquanto ele refletia, quebrou mais um pedaço do biscoito e deu a
ela. Os lábios de Demi envolveram as pontas dos dedos dele. Havia uma migalha,
bem pequenininha, no cantinho da boca de Demi que Joe queria lamber para tirar.
Mas ele não o faria. Não porque estava sendo uma espécie de rapaz bonzinho
seguindo as regras dela. Mas porque achou que as crianças na caixa de areia não
precisavam de uma aula gráfica sobre como dar prazer a uma mulher. Percebendo
que Demi ainda estava falando, ele se obrigou a escutar suas palavras.
– O romance pode se focar no amor, mas há outros gêneros que puxam
pelas emoções do mesmo jeito. Leia um romance de guerra: eles se concentram nos
terrores da batalha, nos triunfos. O horror se concentra no medo, mas os melhores
usam nossas emoções para aumentar o medo, constroem o medo a partir delas.
Verdade. Pela primeira vez, Joe pensou, de verdade, em sua
colocação para acrescentar emoção ao trabalho. Ele sempre igualara aquilo a
colocar catchup em um filé. Inútil. Mas talvez, apenas talvez, sempre
existissem meios de trazer emoções à escrita sem fazer disso uma traição.
Ou uma desgraça.
Sem perceber que já havia feito um avanço, Demi esticou a mão para
tocar o quadril dele. Joe seguiu o meneio do queixo dela e viu um casal mais
velho caminhando, de mãos dadas.
Ele voltou a olhar para ela, certo de que olhava para a coisa
errada. Não, ela estava olhando para o casal, um olhar sentimental em seu
rosto.
Captando o ceticismo dele, Demi revirou os olhos.
– Não estou sugerindo a você escrever sobre amores octogenários.
Só estou apontando o quanto as emoções são duradouras.
Ele lançou mais um olhar duvidoso para o casal de cabelo branco,
que agora estava sentado em um banco a poucos metros de distância. O velho ali
merece crédito, pensou Joe, enquanto o galã ancião se inclinava e beijava sua
mocinha.
– Um ponto para a intimidade – disse Demi, com uma risada. – Não
há jeito de você os descrever sem citar a luxúria. Aposto que eles já se
beijaram pelo menos mil vezes, mas ele ainda utiliza a língua.
Demi riu quando ele desviou o olhar.
– Você vai para boates e observa estranhos fazendo isso encostados
na parede – observou ela. – Provavelmente já assistiu a mais atos mais
depravados do que sequer consigo imaginar em nome da pesquisa. No entanto, vê
uma prova de que a intimidade, e emoção, é meiga e duradoura, e aí desvia o
olhar?
Ela o fitou demoradamente com as sobrancelhas arqueadas e
perguntou:
– Por quê?
Boa pergunta. Em vez de tentar respondê-la, Joe fez o que fazia de
melhor. Aproveitou a oportunidade.
Sustentando o olhar dela, chegou mais perto, até conseguir sentir
o chocolate no hálito de Demi, notar os olhos dela se arregalando. Um calor,
ousado e intenso, lampejou naquelas profundezas escuras. Os olhos de Demi se
focaram além do ombro dele e ela franziu a testa.
– Confie em mim – disse ele, enquanto passava a mão pelo cabelo
dela, levando sua boca até a dele. Provocando a ambos, Joe manteve o beijo
suave e tranquilo. Um roçar suave dos lábios nos dela, a carícia mais delicada
dos dedos. O gosto dela o tentava a mergulhar mais fundo, a tomar a boca de Demi
com toda a paixão que percorria seu corpo. Mas Joe se obrigou a se conter. Ele
apenas trilhou os lábios dela com a pontinha da língua em vez de investi-la
fundo na boca delicada. Simplesmente roçou os dedos sobre a pele sedosa em vez
de agarrá-la.
Aquilo quase o matou, mas ele se segurou.
Com um suspiro trêmulo, Joe afastou a boca e, encostando a testa
na dela, a encarou. Emoções, estranhas e não muito bem-vindas, giravam dentro
dele. Tudo que ele queria fazer era abraçar Demi enquanto tentava descobrir o
que tais emoções significavam.
Ela piscou, três piscadelas lentas com aqueles cílios espessos.
Então comprimiu os lábios.
– Eu diria que você lida com a paixão de um jeito bem sólido –
falou ela baixinho. – Mesmo que ainda não seja capaz de admitir, você já provou
o poder da intimidade sobre a luxúria.
O prazer se foi quando o estômago de Joe deu um nó. Será que ela
estava certa? Joe olhou para as profundezas risonhas dos olhos de Demi. Ele
teria de segurar as pontas mais um pouquinho para ver.
*****
Cara sua fic é perfeita!! Eu to amando
ResponderExcluirMal posso esperar para os próximos capítulos.
Posta logo por favor!!
Posta por favor!!
ResponderExcluirOi..... consegui colocar a leitura em dia..... adooooroooo sua fic!!!!!! Posta mais..... faz uma maratona por favor......
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