3.8.14

Capítulo Três






– SABE, VOCÊ deveria tentar uma tonalidade de sombra diferente – ponderou Demi, o queixo apoiado na mão enquanto olhava para Miley, do outro lado da mesa do restaurante. – Talvez alguma em tons de cinza em vez de marrom. Acho que destacaria mais seus olhos.
Com o copo de chá gelado a meio caminho da boca, Miley a encarou, o choque nítido nos olhos pintados com sombra marrom. Então ela explodiu em uma risada.
– Você está adorando isso, não é?
– Na verdade, estou – confirmou Demi, erguendo o próprio copo para brindar com a amiga.
Isso era o resultado da transformação, é claro.
Ela olhou para seu reflexo na janela de vidro laminado do restaurante. Mesmo embotada naquele espelho improvisado, a mudança ainda era incrível. Seu antigo cabelo rebelde cor de cenoura agora fluía em um corte suave e volumoso, alguns centímetros acima dos ombros. As maçãs do rosto proeminentes que ela não tinha percebido possuir destacavam seus olhos, agora grandes e misteriosos por causa das maravilhas cosméticas.
Demi tinha vencido mesmo! Claro, ela imaginara que seu texto sobre “A mulher Risqué interior” lhe daria uma vantagem. Mas, depois daquela primeira rodada, todo o concurso dependia de sorte. Graças à combinação de seu texto, de sua necessidade óbvia de transformação e de uma sorte incrível, ali estava ela. Toda produzida.
Logo depois do sorteio, no início de abril, começaram a fazer a transformação em etapas, entrevistando-a brevemente e publicando uma foto do “antes” na edição de maio da Risqué. Daí para a edição de junho, passaram duas semanas mostrando a ela os “certos” e “errados” da maquiagem e ensinando-a a arrumar o cabelo para ficar do mesmo jeito que tinham penteado. E, o melhor de tudo, pensava ela enquanto corria um dedo sobre a alça de couro macio da bolsa, era seu novo guarda-roupa.
O choque por vencer o concurso da Risqué estava começando a passar, mas o choque provocado pela própria transformação ainda estava fresquinho.
– Eu não fazia ideia de que algo tão supérfluo como maquiagem e roupas chiques poderia ser tão, bem...
– Sensual? – concluiu Miley, sorrindo como uma fada madrinha orgulhosa.
Demi começou a negar. Nunca em sua vida ela aspirara se tornar sensual. Ah, claro, ela deveria ter desejado ser como as heroínas de Joseph Jonas. Do tipo que tinha um corpo digno de ser usado como arma internacional. Mas aquilo sempre parecera impossível, como beber chá com Frodo na Terra Média. Agora, porém...
– Senhoritas, a salada já está quase pronta. Mais chá?
Ambas olharam para cima. Demi sentiu o rosto aquecer quando percebeu que a atenção do garçom estava totalmente voltada para ela. Ou, mais especialmente, para seu decote turbinado por um sutiã com enchimento de gel. De novo. Aquele restaurante ficava a uma quadra da universidade, e o sujeito tinha servido Demi pelo menos uma dezena de vezes. Ele não a olhara antes. Estaria tentando descobrir se ela havia comprado um par de seios novos?
Demi se contorceu enquanto Miley o enxotava.
– Sim, talvez eu esteja me sentindo um pouco sensual – admitiu ela quando ele saiu. – Mas é uma sensação esquisita. Desconfortável. Como usar uma fantasia de Dia das Bruxas ou fingir ser quem não sou.
Miley sacudiu a cabeça com tanta convicção que seus cachinhos de boneca balançaram.
– Ah, não, isso é totalmente você. É uma mulher linda, eu já lhe disse. Agora precisa admitir isso para si, porque é algo que está bem na sua cara.
– Contanto que me ajude a conseguir minha promoção – murmurou Demi, sem notar a presença do garçom no momento em que fez um gesto de desinteresse que acabou colidindo no prato de salada na mão dele. O garçom se atrapalhou para tentar segurá-lo, mas metade da salada terminou no chão. Com um olhar de desaprovação, ele saiu, provavelmente para pegar uma vassoura. Aparentemente os seios novos não eram o suficiente para justificar a falta de jeito. Demi olhou para Miley, que não se deu o trabalho de disfarçar sua risada. – Eu lhe disse, não estou acostumada com isso.
Miley empinou o queixo como se para dizer “observe só”, e então deu um sorriso caloroso para o garçom a duas mesas de distância, que correu até elas imediatamente.
– Você poderia, por favor, trocar esta salada por uma nova? O sol está batendo bem na nossa mesa… Poderia baixar as persianas só um pouquinho?
Demi observava, impressionada como sempre, enquanto Miley manipulava o sujeito com um sorriso meigo e um leve esvoaçar de cílios. Sorrindo abertamente para ambas, ele pisou no almoço derramado e correu para atender o pedido de Miley para puxar a persiana.
– Obediência instantânea – cochichou Demi. – Sempre. Como você faz isso? Pensei que fosse uma coisa de mulherzinha. Mas estou usando coisas de mulherzinha agora, inclusive minha calcinha em tons pastéis, e não consigo esse tipo de atenção.
– É melhor você descobrir como fazer isso – advertiu Miley, franzindo a testa sutilmente. – Sabe que a transformação é apenas uma parte do que você precisa para conseguir a promoção. Belkin não pode alegar estar contratando com base na aparência, mesmo que esteja. Ele vai usar o argumento de que precisa de uma assistente carismática e imponente.
Demi cerrou o maxilar. Não. Ela já havia ido longe demais, passado um mês tendo seu rosto e corpo analisados como se fosse um quebra-cabeça bizarro. Ela quase estragara seu anonimato quando se equivocara em uma entrevista para o “depois” e dissera à equipe da Risqué que era uma crítica literária. A discussão se voltara para os autores do momento e, quando vira, havia aberto sua boca grande e criticado os livros de Joseph Jonas. Desde que entrara no concurso usando seu pseudônimo, ficara preocupada se a exposição de seu rosto iria acabar com seu disfarce. Mas a Risqué não era parte da leitura típica dos alunos ou do corpo docente da Rosewood. Ora bolas, não era nem mesmo vendida nas livrarias ou bancas da região de Santa Rosa. Poderia até ser uma falsa crença, mas Demi imaginava que seu segredo sobre as resenhas de livros estava a salvo.
Ela queria aquela promoção. Era mais que um emprego agora. Era um símbolo de seu valor. Para si, para a universidade e para seu pai.
– Sabe – disse Miley, cutucando suas unhas do jeito que sempre fazia quando estava nervosa. – Talvez eu tenha uma sugestão que a ajudaria com isso.
– O quê? – perguntou Demi lentamente, espiando as unhas da amiga. Contanto que ficassem longe da boca de Miley, a ideia provavelmente não era muito maluca. Se ela começasse a roê-las, aí Demi teria motivos para se preocupar.
– Meu irmão é diretor na emissora de TV local. Ele mencionou na semana passada que está pensando em expandir sua programação de verão para incluir um espaço para críticos literários no programa matinal. – Demi sentiu um aperto no estômago quando Miley levou a mão à boca, colocando a unha do polegar entre os lábios. – Quando mencionei seu nome, Mike disse que aguardaria para divulgar a vaga até eu falar com você.
– Comigo?
– Eles estão procurando alguém com um bom conhecimento literário para fazer resenhas e debates sobre livros, esse tipo de coisa – concluiu Miley rapidamente, as palavras cercando a unha do dedo que ela agora roía minuciosamente. – Fica perto da sua rua. Você já escreve resenhas, ama ler, e seria um jeito ótimo de aprender a se tornar visível.
– Um programa de TV? – Ela não pôde evitar, e começou a rir. – Você está brincando, certo? Eu, na TV?
Demi hiperventilava diante da ideia de tirar uma foto para a carteira de motorista. Por que, diabos, iria querer estar na TV?
Ela faria completo papel de idiota.
– É uma ótima ideia – argumentou Miley.
– Não, é uma ideia maluca. E se alguém me visse? Estou tentando esconder que sou crítica literária, lembra-se?
– É uma emissora de São Francisco, nem pega aqui – Miley lhe assegurou. – Além disso, é um programa matinal, que fica no ar durante o horário de aula. Quem assistiria?
– Meu pai?
– Ele tem televisão?
Não, mas aquele não era o ponto da questão.
– Cof, cof.
Ambas se viraram para olhar para o sujeito alto e magro parado à mesa delas, encarando a bagunça que o garçom ainda tinha que limpar. Ele voltou seu olhar para Demi. Arregalou os olhos brevemente, então os semicerrou em ponderação.
Demi fez uma careta. Professor Belkin. Então olhou além dele e se sentiu empalidecer. Seu pai. Ela o estava evitando, e era uma tarefa fácil, já que o semestre letivo havia acabado. Aquele não era bem o jeito pelo qual pretendia lhe contar sobre a transformação.
Ela se obrigou a sorrir com os lábios repentinamente rijos, mas ele não correspondeu. Ele nem mesmo olhou para Demi, de tão absorto que estava em uma discussão com um professor de Física. A 500m de distância, e ela era invisível ao próprio pai. Como sempre.
– Srta. Cyrus, professora. Talvez eles possam lhes trazer um babador – disse Belkin, o tom duro e perturbado enquanto ele passava por sobre os croutons espalhados.
Ele obviamente não estava impressionado com a transformação dela, e menos ainda com suas habilidades para jantar. Demi queria pegar um tomate e atirar naquela cabeça dividida pela careca. Apostava que assim chamaria atenção. Mas aquilo também acabaria com suas já escassas chances de ser promovida. Então ela controlou seu gênio respirando profundamente.
– Você estava falando sobre TV, certo? – perguntou a Miley, contendo as lágrimas de frustração enquanto observava o pai sair.
– Continue usando seu pseudônimo – aconselhou Miley. – Deixe Demetria Devonne se tornar a mulher que você sempre quis ser. Imagine o choque quando entrar valsando na entrevista de emprego e surpreender a todos com seu carisma e postura altiva recém-adquiridos.
A mulher que ela sempre quisera ser? Sua fantasia principal era ser uma mulher como aquelas dos livros que adorava ler. Sensual, poderosa, confiante. O tipo capaz de lidar com os esnobes mais arrogantes e com os caras mais quentes com o mesmo brio.
Demi sabia que havia milhões de razões para justificar o fato de a ideia da TV ser uma loucura. Mas serviria para melhorar suas chances de conseguir a promoção. Ela havia pensado que a maquiagem seria o suficiente, que a faria se destacar. Obviamente precisava de um pouco mais do que um figurino. Precisava aprender a dominar a atenção. Então ela entraria na TV e seria Demetria Devonne. A supercrítica literária.
Astuta, sensual e imponente.
Nada poderia atrapalhá-la. De jeito nenhum, não tinha como.
– Sexo é secundário – insistia Demi para Sean Logan, apresentador do programa matinal Wake up California. Apesar do fato de estar quase hiperventilando de nervosismo, deu um jeito de ostentar um sorriso breve e um tom firme e seguro. Nada como uma boa discussão literária para deixá-la à vontade. Após três semanas em um segmento semanal de 15 minutos no “Cantinho da crítica”, ela ainda não havia superado o pavor por estar diante das câmeras.
– Sim, quero mergulhar em uma cena quente e selvagem de amor – prosseguiu. – Quero me sentir tão excitada quanto o casal quando ler as ações dos personagens. Mas, a menos que eu me importe com eles, a menos que eu já tenha desenvolvido uma conexão com eles, são apenas... bem, corpos. Muitas vezes confusos, raramente atraentes.
– Então você está dizendo que quer cenas de amor emocionalmente guiadas quando estiver lendo? – perguntou Sean, a epítome de todos os adultos do sexo masculino, enquanto se remexia na cadeira.
– Estou dizendo que todas as histórias, para realmente atraírem o leitor, devem se beneficiar de uma profundidade emocional com a qual o leitor possa ter empatia – esclareceu Demi.
Enquanto Sean mordia o lábio e assentia, ela se remexia na cadeira dura de madeira, desejando poder dar um longo suspiro. Ela assegurou a si que não era nervosismo – depois de três programas, já devia ser capaz de superar isso, certo? –, mas apenas uma fisgada do couro do cinto em sua cintura. Por que moda e conforto não podiam ser sinônimos? De acordo com Miley, a saia dela era a “última moda”, o que aparentemente significava desconfortavelmente curta e apertada.
– Diga a verdade, Demi – incitou Sean com um sorriso casual, se inclinando em direção a ela como um velho amigo prestes a compartilhar um segredo. – Você realmente compra esses... romances?
Demi sorriu diante da correção de última hora. No meio do primeiro bloco, ela e Sean saíram do esquema formal de perguntas e respostas e relaxaram rumo a um bate-papo casual. Acostumada a essa técnica agora, ela sabia que aquele era o sinal para abraçar o tema escolhido para o segmento da semana: o gênero romance.
– O romance faz o mundo girar – parafraseou ela. – A empolgação por se apaixonar em todas as suas formas, a busca pelo “felizes para sempre”.
– Você realmente acredita nisso? Que o romance tenha todo esse impacto sobre o mundo?
– Relacionamentos, em qualquer definição, são o fio condutor da literatura. Tanto a antiga quanto a moderna – disse Demi, se aquecendo para entrar no assunto. – Jane Eyre, Romeu e Julieta, O Morro dos Ventos Uivantes, todos são exemplos de romances que impactaram fortemente a história de nossa literatura.
Atraído por algo nos bastidores, Sean arregalou os olhos.
Demi notou a explosão muda de murmúrios e sussurros. Acostumada a alunos impacientes, ela continuou seu discurso sobre romances ao longo dos séculos, sem problemas, até que seu olhar pousou sobre o tumulto no estúdio principal.
Ai. Meu. Deus. Seria possível uma mulher ter um orgasmo só de olhar para um homem? Demi tentava recuperar o fôlego, mas não conseguia conter seus pensamentos acelerados a ponto de se lembrar exatamente de como respirar direito. Lindo. A pura perfeição masculina.
Cabelo escuro, tão negro que emitia reflexos azulados sob as luzes fortes do estúdio, ondulado para trás, exibindo um rosto que deixaria qualquer escritor de romances orgulhoso. Olhos penetrantes, de um azul cristalino que a fazia sentir como se ele fosse capaz de enxergar sua alma trêmula e insegura através do rímel cuidadosamente aplicado, semicerrando-os no instante em que encontraram os dela.
Demi engoliu em seco. Tinha certeza de que o choque de energia sexual era apenas uma reação estranha às câmeras e luzes. Ou talvez uma reação alérgica à maquiagem. Será que os sutiãs com enchimento de gel tinham efeito tóxico quando a pele ficava superaquecida?
– Ora, ora. – Com uma olhadela para o produtor, Sean assentiu levemente, então disse: – Temos um convidado inesperado para se juntar a nós hoje. Com vocês, Joseph Jonas.
Demi mal conseguiu evitar ficar de queixo caído. O olhar dela se voltou para o galã que se juntava a eles no palco. Sufocou um pequeno arfar quando os olhos dele encontraram os dela, a energia zunindo entre eles como um raio.
Não, se assegurou. Não entre eles. Devia ser só a reação dela. Homens nunca ficavam mexidos quando estavam perto dela.
Quando ele se juntou aos dois, o estômago de Demi revirou. Toda aquela energia, fosse só da parte dela ou não, a apavorava mesmo assim.
Não fazia ideia de como canalizar aqueles níveis de atração sexual.
Então recorreu ao método já testado e aprovado, e fingiu que seu corpo não existia. Mudando para o modo intelectual, ela processou a aparência dele, que consistia em calça jeans, camisa e jaqueta de couro preta, postura, provocação envolta em charme, e linguagem corporal que sugeria “cuidado, alguém vai levar uma dose de mim hoje”.
Se Demi não desejava ser a felizarda, isso não seria um problema.


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Meninas, desculpe não ter postado ontem, eu não estava em casa :x
Hoje vou postar dois pra compensar, ok? Espero que vocês estejam gostando, e deem uma passada nesse blog, é jemi e nelena http://historiaslove.blogspot.com.br/ 
Beijos.

Um comentário:

  1. Boa noite Gi! Estou adorando a fic! Estou curiosa pra saber o que vai acontecer!! Bju!!

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